quinta-feira, 17 de abril de 2008

Onde estava Deus? (Neander Kraul de Miranda Pinto)

Carta escrita ao jornal O Globo (Rio de Janeiro), mas não publicada

"Onde estava Deus naqueles dias?"
Sintomático o espanto do papa em sua visita a Auschwitz. Estranho, para o principal líder de significativa parte da Igreja Cristã, a pergunta "por que Deus, o Senhor, permaneceu em silêncio"?
Será que o pontífice esqueceu as lições da história e prefere, hoje, transferir a responsabilidade das loucuras e pecados da humanidade que teimosamente rejeita o conselho de Deus para o próprio Senhor? Será que Bento XVI se esqueceu de sua participação na Juventude de Hitler? Será que a Bíblia perdeu o sentido para Joseph Ratzinger e os princípios da responsabilidade humana devem ceder lugar para os discursos "politicamente corretos" mas inteiramente desprovidos de valor moral e espiritual?
Prezado Papa, milhares sabem "onde estava Deus naqueles dias". Enquanto a maioria dos católicos e protestantes alemães seguia a um dos mais insanos personagens da história, Ele, o Senhor, estava na cela de Dietrich Bonhoeffer, um jovem pastor dissidente, respondendo aos mais profundos questionamentos humanos com mensagens que dão sentido à vida e ainda valem para os espantados de nosso tempo. Prezado Pontífice, a questão central não é "onde está Deus"? O fulcro do problema é "onde estamos nós"? Quem somos nós?
Permita-me sugerir este poema de Dietrich Bonhoeffer, que sabia onde estava Deus e quem ele, Bonhoffer, era.

QUEM SOU EU?
Dietrich Bonhoeffer

Quem sou eu? Seguidamente me dizem
que saio da minha cela tão sereno, alegre e firme
qual dono de um castelo.
Quem sou eu? Seguidamente me dizem
que da maneira como falo
aos guardas, tão livremente,
como amigo e com clareza
parece que eu esteja mandando
Quem sou eu? Também me dizem
que suporto os dias de infortúnio
impassível, sorridente e com orgulho
como um que se acostumou a vencer.
Sou mesmo o que os outros dizem de mim?
Ou apenas sou o que sei de mim mesmo?
Inqueto, saudoso, doente,
como um passarinho na gaiola,
sempre lutando por ar, como se me sufocassem,
Faminto de cores, de flores, às vezes de pássaros.
Sedento por palavras boas, por proximidade humana,
tremendo de ira a respeito da arbitrariedade e ofensa mesquinha.
Nervoso na espera de grandes coisas,
em angústia impotente pela sorte de amigos distantes,
cansado e vazio até para orar, para pensar, para produzir,
desanimado e pronto para me despedir de tudo?

Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou porventura tudo ao mesmo tempo?
Perante os homens um hipócrita?
E um covarde, miserável diante de mim mesmo?
Ou será que aquilo que em mim perdura,
seja como um exército em derradeira fuga,
à vista da vitória já ganha?
Quem sou eu?
A própria pergunta nesta solidão,
de mim parece pretender zombar.
Quem quer que sempre eu seja,
Tu me conheces, oh, meu Deus,
SOU TEU.

Atenciosamente,

Neander Kraul de Miranda Pinto, pastor batista