terça-feira, 23 de novembro de 2010

Visitando missionários em Goiás




No sábado, 30 de outubro, saímos bem cedo de Brasília em direção a Alto Paraíso de Goiás, na companhia dos missionários Manuel Alexandre Pereira Lima e Rosângela Tavares da Silva Lima. Iniciamos a jornada através do cerrado passando pela cidade-satélite de Sobradinho (DF), depois por Planaltina, Formosa e Itiquira, no Estado de Goiás, pelas BR 010 e GO-118 conjugadas, na direção Norte através de São Gabriel e São João da Aliança (GO).

Na mente, a expectativa de encontros que pretendíamos fazer na cidade. Com que tipo de recepção poderíamos contar? Haveria um choque cultural? Haveria abismos entre nós e o povo do lugar? Como reagiriam à mensagem? Os mais diversos pensamentos queriam definir a palavra a ser dita ao coração dos paraisenses.
Obras no caminho, duplicação e desvios na rodovia. A paisagem rural se alternando com o cerrado nativo e os eucaliptais sobre os platôs e as ravinas das chapadas. Nas depressões do relevo, veredas de buritizais resistem ao avanço do agronegócio nos últimos oásis que ainda é possível entre a terra sulcada de plantações de soja, tomate e laranja.
Quando as construções tradicionais da cultura cabocla dão lugar aos ícones do misticismo esotérico sabemos ter chegado a Alto Paraíso, um enclave de sete mil pessoas aproximadamente sobre as campinas entre as chapadas.

Passados os arcos que assinalam a entrada da cidade, chegamos à rua principal. Ali está a livraria Guerreiros da Luz, com seu aspecto de castelo medieval por for a e, dentro, muitos livros: Bíblias, devocionais, testemunhos, estudos bíblicos, manufaturados decorativos e encadernações à base de fibra de imbira. A muralha confronta Avalon, uma organização comercial inspirado na cultura mágica com artigos para abastecer esotéricos chegados à bruxaria.

A cordialidade da vizinhança disfarça uma guerra surda entre os princípios da fé bíblica dos cristãos evangélicos e as muitas correntes espiritualistas que se refugiam na cidade que, segundo crêem, será preservada como um dos centros da Nova Era.

Alto Paraíso é um pólo que reúne hippies, dreads, rastafaris, gurus e outras vertentes alternativas. Mas as igrejas evangélicas pululam onde antes se arrastava uma presença tradicional católico-romana. No entanto, os missionários metodistas obtém mais comunhão com missões independentes do que com igrejas estabelecidas.


Na chegada, vamos direto à feira semanal que se reúne em um galpão da prefeitura. É importante encontrar as pessoas antes das 11 horas, pois só tornarão a se reunir na semana seguinte e enquanto fazem seus pequenos negócios de subsistência ficam mais receptivas.

Somos observados com discrição por jovens barbudos e de cabelos longos, mocinhas que lembram ciganas e mais velhos, que exibem traços da cultura alternativa nas roupas e na conduta. São simpáticos e afáveis. Todos conversam ou examinam as mercadorias. Crianças circulam entre os adultos e as bancas. Do fundo do galpão semicoberto um ritmo de capoeira sai de instrumentos e das palmas que acompanham a jinga de jovens lutadores. Turistas brasileiros e europeus vêm buscar alternativas de estilo de vida enquanto compram artesanato ou comidas rusticamente preparadas.


Entre os cumprimentos e compras, os missionários da Igreja Metodista de Vila Isabel convidam a todos a assistirem, de tarde, à inauguração de sua nova casa, bem nos fundos da livraria que empresta livros para serem devolvidos depois. Mais que um negócio, os livros são parte de uma estratégia de aproximação e conscientização.

Vamos à casa de Juliana, uma jovem artesã dread, com dois filhos: Davi Vidá e Glória Raiz, esta de 40 dias. Os casais têm de duas a três crianças, bonitas e saudáveis, criadas de modo alternativo. Alguns deles se converteram a Jesus e aos poucos deixam de usar maconha. São simpáticos e acolhedores, assim como os rastafaris. Neste sábado, a maioria dos homens tem de ir a Brasília gravar umas músicas durante um evento musical. Por isso, ao cair da noite apenas mães e filhos vêm à inauguração.

A reunião começa atrasada. O senso de horário é frouxo e as distâncias percorridas a pé são longas. Os lugares vão sendo ocupados e as crianças mostram que necessitam de atenção especial. Único pastor presente, coloco-me em uma posição que me permita ver o máximo de todos. Else Amelia, minha esposa, começa a tocar em um teclado músicas que conhecemos e as mulheres têm uma proposta `dread` de tocar os mesmos hinos em ritmo `reggae`. O resultado não é ruim, mas as crianças só irão participar quando a tecladista cantar coisas específicas para elas ou contar-lhes histórias da Bíblia e cantar-lhes canções interativas.

Após as canções, a oração e a meditação bíblica aproximam ainda mais os presentes: nove adultos e oito crianças, em uma sala de tamanho médio. A mensagem se baseia na Carta aos Efésios, de Paulo, capítulos 1 e 2: desafios espirituais e vida cristã madura.

Aproxima-se a inauguração da casa recém construída pelo casal com a condução da obra feita por Alessandro Morais, um jovem cearense radicado em Alto Paraíso e que tem sido discipulado pelo casal missionário. Todos se sentem muito à vontade na missão metodista e gostam de passar tempo juntos.

A casa está cercada de barro vermelho e falta muita coisa até estar concluída. Mas a inauguração antecipa o uso do espaço e atrai quem já estava presente e outros que acabam de chegar: missionários de agências independentes, todos especializados em atuar na cultura alternativa, jovens com formação superior e experiência missionária em outras regiões. O número chega a umas trinta pessoas, contando as crianças.

Concluído o encontro, as pessoas voltam para casa, No domingo é dia de eleição e também vamos conhecer um pouco mais da região. Por isso, precisamos descansar.

Chega o domingo e vamos ver algumas pessoas e lugares. Há providências a tomar no “forte” da missão e de lá vamos aos poços da Loquinha, área preservada de cerrado com abundância de água cristalina, locais onde há artesanato e beneficiamento de frutas. Um tucano de bico amarelo meio alaranjado e ponta preta vem nos ver passar pela estrada de terra e posa para as lentes.

As pessoas que encontramos são tratadas amavelmente pelos missionários de Vila Isabel no sertão goiano. Vão assim se criando vínculos de amizade e as pessoas do lugar se sentem acolhidas pelo casal. Ficamos um tempo para conhecer as características sociais e a inclinação mística dos paraisenses, metade deles imigrada de outras partes, mas que fazem boa parte da riqueza local, combinando a produção de cereais e o turismo alternativo.

Vivendo de modo peculiar, relativamente afastado da agitação das cidades grandes, a a população de Alto Paraíso está em meio a uma acirrada disputa entre grupos religiosos e mexe com interesses internacionais. Há muitos estrangeiros explorando as riquezas locais e fazendo negócios lucrativos, seja no turismo, seja instalando organizações filantrópicas, seja trazendo filosofias místicas para sincretizar com as crenças nativas.

Com a aproximação de 2012, ano que supostamente marcará a era de degêlo dos pólos e a elevação do nível dos oceanos, os cristãos se preparam para uma enxurrada de visitantes na cidade. Entre eles, metodistas tentam com poucos recursos alcançar o coração e a mente das pessoas, mas precisam de oração, contato, apoio material e cooperação voluntária. A Igreja de Vila Isabel já deu um passo ao enviar o casal Alexandre e Rosângela. Quem mais estará disponível para atuar nesse cenário e se engajar nessa batalha?