sábado, 20 de setembro de 2008

Deus se levantou!

Luciano P. Vergara


Salmos 14

1 Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem.

2 Do céu olha o Senhor para os filhos dos homens, para ver se há quem entenda, se há quem busque a Deus.

3 Todos se extraviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.

4 Acaso, não entendem todos os obreiros da iniqüidade, que devoram o meu povo, como quem come pão, que não invocam o Senhor?

5 Tomar-se-ão de grande pavor, porque Deus está com a linhagem do justo.

6 Meteis a ridículo o conselho dos humildes, mas o Senhor é o seu refúgio.

7 Tomara de Sião viesse já a salvação de Israel! Quando o Senhor restaurar a sorte do seu povo, então, exultará Jacó, e Israel se alegrará.


Verdade é que, na maioria das vezes, ler o Salmo 14 e seu paralelo, o Salmo 53, acaba em uma hermenêutica que aponta para um desafio fora do ambiente da Igreja. O insensato é aquela pessoa sem formação religiosa, sem vida eclesiástica, um bode no deserto da impiedade em vez de uma ovelha do aprisco. É de se esperar que essa pessoa não invoque a Deus, está tão longe do caminho do Senhor, que se tornou alguém profano e uma ameaça aos justos e retos.


Mas a tentativa de uma nova leitura, desta vez sem preconceitos e estereótipos, pode ajudar-nos a alcançar uma hermenêutica perturbadora.


O verso 4, por exemplo, exibe um conflito entre consciência e alienação. As pessoas envolvidas são chamadas de obreiros da iniqüidade, literalmente, “todos os que fazem maldade ao comer o meu povo como pão” (heb.: כל פעלי און אכלי עמי אכלו לחם = kol poelí hên 'ehlai 'ami 'ehluh lehem).


Ali, o texto sugere uma pergunta e ela denota perplexidade diante da alienação, como se fosse esperado que os mesmos procedessem com integridade, mas decepcionam. Porém, é possível interpretar a passagem concluindo que os tais nem mesmo se apercebessem de que com seus atos traziam males sobre o povo de Deus e que, assim agindo, eles não agradariam a Deus, embora pensassem que sim: “não entendem que não invocam ao Senhor?”. Também se pode interpretar, na mesma passagem, com a ajuda do Salmo 53.4, cuja tradução torna afirmativa a última sentença (“eles não invocam a Deus”), que eles assim procediam por terem deixado de invocar o Senhor. De qualquer modo, é pacífico que esses malfeitores pertencem ao povo de Deus e, mesmo assim, não o invocam, isto é, não põem seus atos sob o crivo do Senhor ou não agem em nome dele.


De um escopo mais amplo desse salmo, sabe-se que o Senhor busca pessoas que usem o entendimento e, tristemente, percebe que aqueles a quem busca, isto é, um grupo seleto de gente de opinião, abalizada por prudência e discernimento, eles mesmos são alienados. Quem deveria instruir a justiça e servir de referência para prover guiança ao povo são os mesmos que produzem injustiça e males contra os mais simples. Estes por sua vez, quais pães devorados, são induzidos a um padrão rebaixado de vida moral, contaminando-se com o pecado sensualista e a opressão sócio-política.


Frouxidão ética, indefinição de objetivos, valores duvidosos, condução débil, juntamente, são a receita da derrota de um povo. E quando se trata do povo de Cristo, dos pequeninos de Jesus, a libertinagem de seus guias alcança sério comprometimento perante o juízo de Deus. Objetivamente, o mal conselho faz com que os pastores dessas almas corram grave risco no ajuste de contas com o Rei dos reis. Jesus lança um repto contra os líderes libertinos e inconseqüentes: “E quem fizer tropeçar a um destes pequeninos crentes, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço uma grande pedra de moinho, e fosse lançado no mar” (Marcos 9.42).


Por isso, a liderança que arrisca o conselho do triunfalismo hipócrita ou da busca desenfreada pela prosperidade a todo custo, gerando cristãos ansiosos pelas coisas passageiras e relacionadas com os bens materiais e a popularidade; quem apascenta o seu rebanho nas campinas do moralismo estéril e do ascetismo irracional, produzindo cristãos arrogantes e juízes dos outros; quem induz pessoas ao isolamento filosófico, à ruptura do diálogo com a sua geração e da dialética na busca permanente da verdade que faz de Cristo, a Verdade que liberta, a lâmpada de sua procura, daquele modo parindo igrejeiros sem discernimento e fora de contexto; quem faz das ovelhas do sumo Pastor alvo de sua cobiça por lã e gordura, exaurindo e adoecendo o povo que vem a Jesus em busca de justiça e paz; sim, esses mesmos são os pastores dos 'ais', os pastores de Jeremias 23.1-6, que “dispersam as ovelhas”, e de Ezequiel 34.1-16, que se apascentam a si mesmos e, por isso, sofrerão o termo de seu pastoreio.


Serão responsabilizados aqueles que incham as igrejas de gente sem transformação do caráter, culpabilizados os agentes patogênicos que levam à hidropisia espiritual, responsável pelo alargamento dos tecidos contaminados pelo pecado, que jaz inconfesso, apesar de tantas edições da Bíblia distribuídas em lojas e pela TV e, apesar disso, não são lidas, menos ainda aplicadas à experiência e vida devocional diária. Não são inocentes os que induzem o povo de Deus ao gospel da moda, aos cultos sem conteúdo ou ao ritualismo sem sentido, pois ambos fazem da forma o conteúdo que lhes baste, tanto às frenéticas alucinações das revelações histéricas quanto os que drenam o vigor espiritual pelo relativismo da ciência humana, pois ambos esvaziam o caráter do Todo-poderoso e o tornam refém de seus pretextos mesquinhos.


Líderes, ouçamos o que o Senhor disse a Habacuque (2.20) e Zacarías (2.13): “O Senhor, porém, está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra” e “cale-se toda carne diante do Senhor, porque ele se levantou da sua santa morada”.


O Senhor é companheiro dos justos, daquelas pessoas se alinham ao que o Deus da Bíblia prefere por justiça, os quais gozam do beneplácito do seu Salvador. No dia da exultação, quando a sorte lhes for restaurada, eles vão se alegrar e festejar a despeito das injustiças daqueles que poderão apenas lamentar o fruto de suas façanhas.