quinta-feira, 10 de abril de 2008

É "feio" não concordar (com a maioria)? (Else Amelia de Moraes Vergara)

Publicado pela Revista Soma Ano 2 - Nº 4 junho/2005 (http://www.agenciasoma.org.br/)

Debate sobre o ensino do criacionismo em escolas reflete preconceitos contra a cultura evangélica Por esta cidade onde trabalho, moro e ando, entre perigosos projéteis, convivo com jovens sem futuro ou passado. Meus alunos não querem saber quem fez o quê, quando, onde ou por quê. O que importa nem sequer é o hoje, mas o agora. A pós-modernidade foi se construindo aos poucos e a alienação é quase um objetivo de vida. Os desejos são consumíveis. Mesmo com todos os riscos, há muita promiscuidade. Nelson Rodrigues disse que suas histórias refletiam a sociedade... Aquelas coisas escondidas, hoje tão ululantes. Há pouco, vi uma jovem em situação constrangedora. Um grupo de adolescentes assistia a uma palestra sobre sexualidade. Foi-lhes perguntado sobre a importância, ou não, da virgindade. A esmagadora maioria optou pelo não. Pouquíssimos, timidamente, discordaram. O palestrante, então, escolheu um representante de cada partido e deu a palavra a um por vez: a moça confiante, que desprezava a virgindade enquanto instituição, e a tímida mocinha vestida com a carapuça de arcaica. Antes de falar, esta ouviu, embaraçada, a defesa condescendente do sexólogo: “Gente, temos que respeitar todas as opiniões”. Se foi necessário dizer isso, a priori a opinião já estava condenada a não ser “respeitável”. O caso é: Qual o valor da opinião? Posso achar, por exemplo, que a queda de Satanás talvez tenha provocado a divisão dos continentes. É opinião. Que tal outra? No Rio Grande do Sul, alguns evangélicos se reúnem para tomar cerveja, mas não jogam futebol, que consideram pecaminoso. No Rio, parece ser o contrário. São divergentes opiniões sobre as mesmas coisas. É “feio” não concordar com a maioria? A propósito, é realmente maioria, ou fazem mais barulho? E em relação à origem do Universo? Criacionismo, evolucionismo, mitos orientais, africanos, indígenas... Nosso euroamericacentrismo educacional nos aproxima institucionalmente de Darwin e sua macacada. Muitos professores de Ciências e Geografia – que lidam mais com o assunto – são evolucionistas convictos e seu discurso cientificista trata com desdém o “mito” criacionista. A escola, excluindo-se a confessional, tem uma posição neutra, ficando quase sempre refém da preferência do professor. Quanto mais os indefesos alunos! Estão à mercê de alguém que terá, ou não, uma postura ética. Uns, mais carismáticos, seduzem com esta ou aquela ideologia e seus pupilos jurarão ser a mais imutável lei, verdade absoluta. A maioria dos brasileiros não pensa muito na origem. Talvez ache pretensioso demais. Está mais preocupada com coisas imediatas, comestíveis até. Várias pessoas contam nunca terem estudado o assunto. Vai ver nem repararam! Uma vez, meu filho sofreu perseguição por insistir em rebater a teoria evolucionista no colégio, baseado nas leis da termodinâmica. Levou para a aula de Biologia livros, vídeos, e... conquistou o ódio da professora. A legislação Em concordância com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9394/96, o decreto 31.086/02 regulamenta o ensino religioso nas escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro e orienta a “convivência para o diálogo numa sociedade pluralista, permeada de tradições religiosas”. A classe docente, porém, desconfia de um suposto proselitismo do governo estadual, associado aos evangélicos. Já os defensores da inclusão do criacionismo no currículo não querem que isso ocorra por meio do ensino religioso e, sim, como matéria científica e cultural. A cultura evangélica – criacionista – pertence ao ideário nacional, assim como a cultura indígena e a cultura iorubá, dos afro-descendentes. Segundo um levantamento da secretaria de Educação fluminense, 25 por cento dos alunos vêm da cultura evangélica. Cultura, sim, pois o aluno carrega para a escola o pensamento do seu grupo familiar, como o de qualquer outro grupo a que pertença. Essa cultura tem que ser respeitada pela escola. O processo de aprendizagem deve incluir a expansão do universo cultural do aluno, sem destruir o universo original.
Else Amelia de Moraes Vergara
Musicista e educadora, membro da igreja Metodista