segunda-feira, 16 de março de 2009

A constante tentação de não escolher


Mensagem dominical matutina, 1º de março de 2009, na Igreja Metodista de Vila Isabel

Texto-base: 1 Reis 18.20-21

Introdução
Na Palestina, os reinos do Norte – Israel e sua capital, Samaria – e do Sul – Judá, com sua capital Jerusalém – estavam divididos. O tesbita Elias desenvolveu o seu ministério em Israel e, por causa de sua fidelidade como profeta do Senhor, sofreu muita oposição da casa real pontificada por Acabe, o rei influenciado por sua rainha pagã, Jezabel.
No cenário indicado pelo texto bíblico acima, esses dois personagens ocupam o primeiro plano. Nele também se percebem o povo ao fundo, convocado a um promontório com ampla vista do mar, chamado Monte Carmelo, e ali estão cerca de 400 profetas de Baal, dramaticamente pressionando os demais personagens. Baal era muito popular na Palestina de então e contava com muitos locais de culto e sacerdotes místicos que serviam aos deuses da conveniência, os quais eram mandingueiros que ensinavam ao povo a espiritualidade do paganismo sensual. A influência dessa forma de paganismo era decisiva entre os israelitas e era comum haver conselheiros de Baal assessorando os nobres do reino.
No quadro regional de forças, Elias estava do lado oposto ao paganismo e às posições dos líderes de Samaria e, ali no Carmelo, ele estava aparentemente só contra a maioria absoluta do povo e da elite de sua terra, especialmente a realeza corrupta e supersticiosa. Enquanto o profeta ali estava com a pretensão de trazer o coração do povo de volta a Deus, a liderança de Acabe não era boa referência para os súditos.
Olhando para a cena, lembramos de Jesus, levado pelo diabo ao pináculo do templo de Jerusalém para ser provado (Mt 4.1-17, cf. Mc 1 e Lc 4). O propósito do tentador era experimentar se poderia fazê-lo se afastar do propósito de sua missão. O termo grego para essa provação é peirasmos (prova, exame, intento, tentação) e os cristãos podem ser alvos de tal prova. Todos os dias somos confrontados por escolhas inadiáveis. O momento de decidir chega e não se pode adiar a resposta nem a ação. Pode-se dizer que quem está na chuva é para se molhar e, então, tem de "pagar pra ver". Mas vale lembrar que Deus promete estar sempre com seus filhos e filhas.

Uma pergunta incômoda
Na convocação ao Carmelo, Elias pergunta aos filhos de Israel: — "até quando coxeareis entre dois pensamentos?". Isso equivale a dizer que os israelitas "caminhavam" indecisos de uma posição para outra; eles não chegavam a rejeitar a sua história com o Senhor e suas tradições, mas contavam com a expectativa de que Baal os pudesse garantir, acolhendo assim uma ética substitutiva que desse sentido aos anseios da vida.
Ao perguntar, o profeta questiona a consciência. Descobrimos então que perguntar faz bem porque faz pensar e o exercício do pensamento é o caminho da consciência crítica. No entanto, perguntas não podem ficar sem respostas. Questionar deve levar a respostas consistentes e conseqüentes. Essa consistência é a verdade transparente e sincera, que não trai nem mente à consciência. E as conseqüências são as ações que brotam da vontade que se convence do valor e da razão da consciência. Concluímos que a atitude dialoga com a consciência por meio das respostas que fornecemos.
Por esse pensamento sabemos porque Jesus questionou o cego nas ruas: — "Que queres que eu te faça?" (Mc 10.51). Igualmente, o Mestre indagou a seus discípulos sobre si próprio: — "Quem dizem os homens que eu sou... e vós?".

Confrontados mas contundentes
Quem escreveu aos cristãos hebreus aconselhou a nos achegarmos a Deus em atitude de confiança. Os que se chegam ao Senhor fazem-no pela confiança de ter um intermediário à altura do que se pretende. Não há outro senão Jesus Cristo, sumo Sacerdote idôneo, por intermédio de quem ousamos entrar diante de Deus. Assim como tal ousadia lembra a coragem de Elias, não resta dúvida de que aproximar-se a Deus é uma atitude espiritual de não fugir ao confronto e responder de modo contundente aos dilemas enfrentados.
Pode-se dizer que atitude é igualmente uma tomada de consciência da realidade, a motivação para lidar com a realidade, a vontade de fazer, de interferir nela, e também uma ação que transforma a realidade.
Há semelhanças entre as nossas tentações e a de Jesus. Ambas são modos de revelar quais ambições estão a nos impulsionar. Ao falar sobre o pecado em sua epístola, Tiago adverte (1.13-15) sobre o risco de adiar a atitude de confronto. O que confrontamos na tentação? Acerta quem responde dizendo que é a nossa própria ambição. Não é o diabo, como alguns pensam. O diabo tenta e só. Ao sermos tentados, o diabo é somente um detalhe a mais. Com um poder limitado, ele não nos pode obrigar a pecar. Então, usa de insinuação, sugere, aposta que o nosso desejo se rebelará ao controle do Espírito Santo.
Tentando explicar o desejo de Jesus, o que o impulsionava era o Espírito Santo, como também ocorre conosco. O Espírito nos conduz, mas a vontade humana continua ativa embora cativa e dependente de sua liderança. Jesus igualmente aceitou a direção do Espírito Santo, que impelia o Rabi como impele os crentes de hoje. Suas vitórias sobre o pecado se devem ao fato de ter sido Jesus impelido pela obediência e vontade de servir, agradar a Deus. Seu prazer era a obediência que brotava do amor e confiança no propósito do Pai. Em suas últimas lições aos discípulos, como vemos no evangelho de João, o Mestre falou da perfeita relação entre ele e o Pai, a afinidade da vontade, a perfeita comunhão de pensamento e ação.
Em todo o seu ministério, Jesus esteve consciente de sua missão: a proclamação do Reino de Deus, a mensagem da graça e perdão que viabiliza o ser humano redimido, a morte na cruz, a ressurreição, o juízo. Ele não apenas conhecia formalmente a palavra de Deus, a rigor ele se identifica totalmente com a Palavra e se assume como a encarnação mesma da Palavra. No dizer do capítulo 1º de João, Jesus é o Verbo de Deus.
E foi então com essa intimidade e comunhão com a Palavra que Jesus resistiu contundentemente à sedução tentadora de desviar-se do plano de Deus e seguir a alternativa de uma vontade estranha a esse plano. Ele se opõe ao diabo na Palavra. Ele conhece intimamente a Escritura e cita-a amiúde como forma de resistência.
Igualmente, somos tentados com freqüência. Como agimos em tal situação? A tentação é a oportunidade de escolher entre a sedução e a lucidez, entre a ruína e a vitória. Não há um lugar neutro, "em cima do muro". Não se pode escapar a esse confronto, a rota de fuga já é um posicionamento. Já que a neutralidade é impossível, por que adiar a resposta?
O pior não é errar ou cair. É não responder, é fugir quando é tempo de ficar, lutar e resistir. Todos somos tentados e podemos ser derrotados na tentativa de resistir. Mesmo Jesus poderia ter caído. Se assim não fosse, para quê ser tentado? Alguém que não tenha a noção da graça e presença de Deus em sua vida nem faça idéia do poder que há na palavra de Deus, só terá como resultado o pecado ao qual não pode resistir, pois é escravo do pecado. Entretanto, Jesus demonstrou que a pessoa espiritual, aquela que conhece a graça e a glória de viver pela fé em Deus, essa pode viver sem pecar. Ademais, em caso de queda temos a promessa bíblica (1 Jo 2.1-2) de um intercessor junto a Deus, um Advogado perante o Altíssimo, nosso Juiz e nosso Pai.

Aplicando o ensino
Séculos antes de Cristo, Josué levou o seu povo a aplicar o mesmo conceito de escolha para a efetiva resistência à sedução e à falta de discernimento: "escolhei a quem sirvais" (Js 24.14-15). O líder pedia uma posição clara quanto a permanecer na opção das gerações que seguiram aos deuses da conveniência ou quebrar essa tradição perversa e abraçar o caminho da salvação proposto pelo Senhor aos filhos de Abraão, Isaque e Jacó.
Somos continuamente expostos a escolhas que nos afetam espiritual, ética e emocionalmente. Que respostas temos a oferecer quando forças que intentam agir em nosso interior nos exigem respostas sólidas? Com que atitude resistimos à sedução das coisas malignas que podem nos afastar do caminho da salvação? Apenas derrotamos as forças de perdição quando damos respostas contundentes. Elas são libertadoras – no fim da provação de Cristo, o diabo o deixou; glória a Deus!
Quantos ficam à espera que alguém venha com mão estendida e soluções prontas para os nossos dilemas! São pessoas que acreditam na ilusão tentadora da neutralidade, que fazem da dependência espiritual de outros mortais um sonho doce e entorpecedor. Essas são as vítimas preferidas do tentador. Não, em matéria de tentação o homem jamais será paladino do homem. Não é o homem que nos liberta; é Deus. E ele o faz pela sua palavra e pelo seu poder.